O artigo “Conserving saproxylic flagship species by complementing 150 years of natural history with citizen science data—the case of the stag beetles (Lucanidae, Coleoptera) of Portugal”, publicado na revista Biodiversity and Conservation e da autoria do João Gonçalo Soutinho, além de marcar oito anos do estudo sobre a família de escaravelhos mais emblemáticos de Portugal, explora a importância da ciência-cidadã na monitorização da biodiversidade e, em particular, como a presença destes organismos pode ajudar na melhoria da gestão do território em termos de conservação da natureza.
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Dados recolhidos para as quatro espécies de lucanídeos relativamente a quadrículas de 10 × 10 km validadas anualmente e ao aumento da distribuição conhecida; b Diagrama de Venn sobre os métodos de aquisição de dados que validaram cada quadrícula de 10 × 10 km; c Distribuição dos registos em Portugal; d Quadrículas de 10 × 10 km validadas por cada método. Mapas detalhados estão disponíveis no SI 5. Fonte: Conserving saproxylic flagship species by complementing 150 years of natural history with citizen science data—the case of the stag beetles (Lucanidae, Coleoptera) of Portugal
Nos últimos anos, a ciência-cidadã tem vindo a afirmar-se como uma atividade essencial na recolha de dados e monitorização de espécies e habitats, permitindo alcançar objetivos de conservação de forma eficaz e acessível. Estas práticas são fundamentais para a melhoria das medidas de conservação ecológica, tornando a ciência-cidadã uma ferramenta valiosa para superar limitações de financiamento e garantir um acompanhamento eficaz da biodiversidade.
Criado em 2016, o projeto VACALOURA.pt exemplifica o impacto positivo de atividades de ciência-cidadã, tendo reunido um vasto conjunto de dados sobre a distribuição e ecologia de quatro escaravelhos de Portugal, com principal destaque para a vaca-loura (Lucanus cervus). Através da colaboração entre cientistas, cidadãos e comunidades locais, o projeto reforça o papel fundamental da participação pública na compreensão e proteção desta espécie e dos seus habitats.
Vaca-loura – a guardiã de florestas antigas
A vaca-loura é o maior escaravelho em Portugal. As suas larvas desenvolvem-se ao longo de aproximadamente três anos nas raízes de árvores antigas, alimentando-se de madeira morta. Completada a metamorfose, os adultos têm um curto período de vida de dois a três meses e, ao emergirem do solo, podem ser encontrados sobretudo em regiões de clima ameno e com precipitação acima da média nacional, como a do norte de Portugal.
Este trabalho valida no nosso país o que já se sabia sobre a espécie noutras regiões. A vaca-loura é identificada como um importante indicador biológico, sinalizando a presença de florestas nativas antigas, ecossistemas resilientes e ricos em biodiversidade, que são cada vez mais raros em Portugal. Estas florestas são abundantes em árvores de grande porte e madeira morta, estruturas que albergam cerca de 70% das espécies que habitam as florestas temperadas da Europa. Ao identificar as áreas procuradas pela vaca-loura, conseguimos melhor compreender onde estas florestas nativas antigas ainda existem ou, pelo menos, identificar a presença de árvores antigas e/ou madeira morta na paisagem. Isto permitirá a implementação de ações de conservação da natureza que assegurem a preservação destes espaços vitais – e que ajudem a alcançar metas como as relacionadas com a recém-aprovada Lei do Restauro da Natureza.
Mapear e compreender a distribuição da vaca-loura torna-se, assim, crítico para antecipar os potenciais impactos de alterações na paisagem e nos ecossistemas – incluindo aqueles previstos da mais recente alteração da Lei dos Solos. Pelos dados da presença desta espécie, é possível promover a literacia ecológica junto dos municípios e capacitá-los para a adoção de políticas de gestão do território mais informadas e sustentáveis, em linha com valores ambientais e ecológicos.
O papel fundamental da ciência-cidadã
Este conhecimento mais aprofundado sobre a vaca-loura e a sua importância no mapeamento de territórios naturais foi possível graças ao projeto VACALOURA.pt, uma iniciativa de ciência cidadã criada com o objetivo de atualizar a informação sobre a ecologia, distribuição e potenciais ameaças às espécies de lucanídeos em Portugal.
O projeto envolveu cerca de 50 embaixadores – cidadãos e organizações – que promoveram ações de sensibilização e recolha de dados. Através de uma app gratuita e intuitiva, os participantes podiam enviar fotografias e contribuir para a georreferenciação automática das observações.
Esta abordagem inovadora garantiu um fluxo contínuo de informações validadas por especialistas e, após oito anos de esforços conjuntos, foram registadas 7782 observações de escaravelhos em todo o país. Estes registos possibilitaram uma melhor compreensão da distribuição da espécie, identificando as áreas com maior potencial para a sua presença e aperfeiçoando estratégias de monitorização e conservação.
O projeto VACALOURA.pt, para além de ter afirmado a participação cívica como uma ferramenta essencial para monitorizar espécies, orientar políticas de conservação e melhorar a gestão territorial, incentivou o envolvimento das comunidades locais na conservação da biodiversidade. Através destas iniciativas, os participantes puderam desenvolver um sentido de pertença ao seu território, aprender sobre as suas características, e tornarem-se mais ativos na defesa do património natural. Iniciativas como esta demonstram que o futuro da conservação passa, cada vez mais, pela colaboração entre cientistas e cidadãos.
A participação cidadã na VERDE – as Gigantes Verdes
O projeto Gigantes Verdes, uma iniciativa de mapeamento de árvores de grande porte dinamizada pela VERDE, segue esta mesma lógica de envolvimento comunitário na conservação da floresta nativa portuguesa. Através deste projeto, qualquer cidadão pode receber formação para identificar e mapear estas árvores na sua região, contribuindo para a sua valorização e proteção a longo prazo.
Estas árvores desempenham um papel essencial como soluções naturais para a mitigação das alterações climáticas, sequestrando num ano o dióxido de carbono equivalente ao que uma árvore recém plantada sequestra nos seus primeiros 15 anos de vida. Além disso, já têm em si cerca de 68 vezes mais carbono armazenado do que uma árvore com 10 anos. Após a monitorização no território de Lousada, a iniciativa de conservação liderada pela VERDE está agora a expandir-se para a Região do Vale do Sousa e Serras do Porto, abrangendo os concelhos de Penafiel, Paredes, Valongo, Gondomar, Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira, e ainda em concelhos pioneiros do Distrito da Guarda, como Seia, Manteigas, Fornos de Algodres e Sabugal.
A VERDE está a promover sessões de formação especializadas e gratuitas nestes concelhos, tornando o projeto acessível a qualquer cidadão que queira tornar-se Embaixador de Gigantes Verdes. Para isto, é apenas necessária a inscrição no website do projeto e, claro, a vontade de ajudar a conversar a floresta nativa portuguesa.
Tal como o projeto VACALOURA.pt, esta iniciativa sublinha a importância e valor da participação cívica na conservação ecológica. Ao envolver as comunidades locais na recolha de dados e monitorização de espécies e habitats, transforma-se conhecimento em ação concreta, promovendo a proteção da natureza e assegurando um impacto duradouro na sustentabilidade ambiental.
Para mais detalhes, consulte os seguintes links:
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