A biodiversidade da Terra está a diminuir a um ritmo acelerado. Esta diminuição, provocada principalmente pela ação humana, tem consequências muito graves como por exemplo perturbações na produção alimentar (com as culturas cada vez mais vulneráveis a pragas e doenças) ou a degradação dos solos e aumento da escassez de água potável. Florestas saudáveis, e mais concretamente, árvores saudáveis, apresentam-se como um meio efetivo no combate a este problema, pela dimensão da sua distribuição mundial e nacional (ocupando mais de um terço do território nacional); pela sua capacidade de albergar um número elevado de espécies; e pelo conjunto de serviços de ecossistemas fundamentais para a Humanidade que prestam (serviços de ecossistemas englobam o conjunto de benefícios para a sociedade inerentes à preservação da natureza) como é o caso da obtenção de alimentos, purificação da água, regulação do clima a várias escalas e suporte de biodiversidades.
A ciência diz-nos que um dos fatores mais determinantes na saúde de uma floresta (com efeitos diretos sobre a sua capacidade de aumentar a biodiversidade e de prestar serviços de ecossistema) é a existência de árvores de grande porte, com alto valor ecológico. Na VERDE, estas árvores têm o nome de Gigantes Verdes (com um tronco com mais de 150 cm de diâmetro, medido a 130 cm do solo) e estima-se que não só tenham mais carbono armazenado nos seus tecidos, como anualmente retirem o carbono equivalente aos 15 primeiros anos de uma árvore plantada hoje em dia. São ainda capazes de produzir oxigénio, remover poluentes do ar, arrefecer o solo com a sua sombra, evitar cheias ajudando a encher os aquíferos e albergar múltiplos seres vivos, com cada fenda e cavidade a representar microhabitats fundamentais a aves, insetos, plantas e fungos.
Vemos nos mercados voluntários de carbono uma ótima oportunidade para salvaguardar estas Gigantes e por isso criámos o Projeto Carbono Biodiverso (www.verde-associacao.pt/carbono-biodiverso) em 2021. Esta é a primeira solução de compensação de pegada ecológica para cidadãos e empresas que se foca principalmente na salvaguarda das árvores de grande porte e floresta nativa nacional.
A 8 de fevereiro de 2023 foi apresentado o projeto de decreto-lei que institui o mercado voluntário de carbono (https://www.consultalex.gov.pt/ConsultaPublica_Detail.aspx?Consulta_Id=284) que se encontra em consulta pública até ao dia 11 de março de 2023.
Após análise da versão preliminar disponibilizada para efeitos de discussão pública, apresentamos algumas sugestões e reflexões sobre pontos relevantes para a versão final do diploma e para a concretização e funcionamento do mercado voluntário de carbono em Portugal:
À partida acreditamos que alguns pontos são extremamente positivos:
É uma enorme mais-valia a existência de múltiplas hipóteses à disposição dos agentes do mercado, nomeadamente, a existência de compensação de emissões ou contribuição a favor da ação climática, e a existência de créditos de carbono e créditos de carbono +, com foco para a preservação da biodiversidade;
É fundamental a obrigação de identificação e contabilização das emissões associadas à atividade de uma organização, incentivando, primeiramente, a redução das emissões e a intervenção subsidiária do mercado de carbono;
As áreas prioritárias merecem especial atenção pelo trabalho que já foi desenvolvido e investimento já realizado.
No entanto, acreditamos que este documento pode ser melhorado e apresentamos por isso um conjunto de questões e sugestões para cada artigo do presente documento, sendo esta assim a nossa parte ativa nesta consulta pública. São assim apresentadas questões e sugestões para cada artigo:
Artigo 1º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 2º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 3º
A alínea a) consagra o critério de Credibilidade. É assumido que mecanismos de certificação por entidades externas, com base em ISOs ou metodologias de contabilização e monitorização serão os princípios de credibilização dos projetos existentes?
A alínea c) consagra o critério de Permanência. Será definido, por cada projeto, o período de permanência das estruturas ecológicas que permitem a manutenção dos Gases de Efeito de Estufa (GEE) sequestrados? Serão definidos períodos mínimos para cada tipologia de projeto ou ação? Serão excluídos do mercado projetos que não garantam a permanência dentro dos períodos definidos?
A alínea d) consagra o critério de Eficácia. Como poderá ser atribuída a causalidade das fugas de GEE aos projetos implementados noutros locais? Serão sugeridas metodologias de monitorização e reporte de fugas? Serão criadas entidades reguladoras e fiscalizadoras destas possíveis fugas?
Artigo 4º
A alínea g) consagra a definição de Crédito de carbono +. Sugerimos a integração aqui também de projetos que além de incorporarem significativos benefícios adicionais ao nível da biodiversidade e do capital natural, sejam capazes de demonstrar benefícios significativos para as comunidades locais, utilizando metodologias de, por exemplo, avaliação de impacto social, durante a sua implementação. Seriam assim emitidos créditos com a devida valorização considerando o impacto no sequestro dos GEE, na biodiversidade e nas comunidades locais (Exemplo - https://verra.org/programs/ccbs/).
Artigo 5º
É consagrada a obrigação de medir emissões sempre que o objetivo passa pela compensação de pegada carbónica: neste caso, recomendamos garantir a obrigatoriedade de medição de emissões de âmbito 1, 2 e 3, mesmo que não seja possível reduzir as emissões nos 3 âmbitos. As emissões de âmbito 3 devem ser incluídas já que representa para a maioria das organizações a principal fonte de emissões. Uma empresa devidamente comprometida com a ação climática deve demonstrar o seu compromisso em reduzir não só as emissões das suas operações (âmbito 1), mas as emissões de toda a sua cadeia de valor, (âmbito 2 e 3) antes de proceder à compra de créditos de carbono. Outra vantagem de incluir a obrigatoriedade de medição de emissões de âmbito 1, 2 e 3 é o alinhamento com a nova Diretiva da União Europeia, a Corporate Sustainability Reporting Directive, que introduz através do European Financial Reporting Advisory Group (EFRAG) a obrigatoriedade de reporte de emissões nestes três âmbitos. Finalmente, existem ferramentas gratuitas desenvolvidas por especialistas que as empresas podem usar para medir emissões de âmbito 3 (ex: https://ghgprotocol.org/scope-3-evaluator; https://www2.deloitte.com/uk/en/focus/climate-change/zero-in-on-scope-1-2-and-3-emissions.html).
Artigo 6º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 7.º
Cria uma cláusula de exclusão da participação dos projetos noutros sistemas de mercados. Esta medida poderá ser um obstáculo para a sustentabilidade dos projetos no caso de insuficiência de procura no mercado nacional. Será um impedimento a reconsiderar perante o surgimento de mercados ibéricos, europeus e internacionais?
Artigo 8º
São definidos as tipologias de projetos de cariz prioritário. Sugerimos a integração também de todos os projetos que demonstrem a capacidade de gerar créditos de carbono +, tendo assim prioridade na sua implementação. Sugerimos ainda que o ponto 6 seja alargado a todas as tipologias de projetos prioritários.
Artigo 9º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 10º
O ponto 6 identifica que os créditos de carbono são válidos por tempo indeterminado. Não deveriam ser válidos apenas durante a vigência dos projetos que os emitem? Se o projeto finaliza a sua obrigação de monitorização e validação, como será possível fazer o track das ações que emitiram o crédito depois da finalização dos projetos promotores?
O ponto 7 parece apresentar o conceito que os créditos de carbono + serão particularmente gerados nas áreas prioritárias. Seria importante esclarecer esta questão e será dada alguma prioridade ou oportunidade adicional a estas áreas prioritárias na emissão de créditos carbono +.
Artigo 11.º
No número 1 é referido que a geração de créditos de carbono depende da validação ou verificação nos termos do artigo 16.º. No entanto, o artigo 16.º refere que a geração de créditos depende de uma validação (ex-ante) e uma verificação (ex-post). Seria importante esclarecer qual das duas opções será correta.
Artigo 12º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 13º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 14.º
Dispõe sobre a utilização dos créditos de carbono: este artigo levanta uma questão fundamental para o sucesso dos mercados voluntários de carbono – qual o interesse das empresas e dos cidadãos em adquirir créditos de carbono? Resumidamente podemos identificar vários interesses, seja o compromisso destes com a sustentabilidade e o progresso, a eficiência e responsabilidade na produção e no consumo, a redução de riscos e custos futuros em consequência das alterações climáticas, seja por questões de marketing, seja um investimento financeiro, entre outros. Não existindo obrigações legais de redução das emissões - se o Estado não transmitir aos seus cidadãos e organizações parte da responsabilidade de atingir as metas e compromissos assumidos -, como poderá este mercado sobreviver a médio-logo prazo? O Estado pode criar obrigações e incentivos. A título de incentivos pode criar benefícios fiscais, por exemplo, dedução no IVA para empresas e dedução no IRS para cidadãos (com os respetivos e devidos limites). Pode também, por exemplo, dar incentivos para ações que levem a uma redução de emissões (ex: compra de carros elétricos vs combustão) ou mesmo para investimento em créditos por parte de cidadãos.
Artigo 15º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 16º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 17º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 18º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 19.º
Concretiza algumas orientações sobre as metodologias: para além da hipótese prevista no artigo 19.º n.º 11, recomendamos que a APA permita a utilização de metodologias já aprovadas de forma independente por outras entidades de credibilidade reconhecida, tais como: - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL); - Verified Carbon Standard da Verra; - Outras metodologias validadas por auditor independente com base na ISO 14064-2. Esta estratégia permite acelerar o processo de implementação do mercado de carbono
Artigo 20º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 21º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 22.º
Dispõe sobre a criação de projetos de demonstração: aqui damos a conhecer um projeto que desenvolvemos, que está a trabalhar neste âmbito e se encontra em fase de certificação pela ISO 14064-2 - https://www.verde-associacao.pt/carbono-biodiverso.
Artigo 23º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 24º
Nada a questionar ou acrescentar.
Artigo 25.º
Determina que serão devidas taxas: é importante garantir que as taxas não se tornam um peso significativo no orçamento dos projetos, não comprometendo a sua sustentabilidade e funcionamento.
Artigo 26º
Nada a questionar ou acrescentar.
Aproveitamos para partilhar mais alguns pontos e observações que achamos importantes constar ou pensar neste documento:
O mercado poderá incluir projetos associados ao Carbono Azul? Florestas e pradarias marinhas e outras formas de sequestro de GEE, por exemplo, para efeitos de compensação pelo Estado ou por entidades que explorem recursos marinhos. A questão dos direitos sobre os créditos torna-se altamente diferenciada sobre os projetos em território terrestre, mas seria extremamente importante considerar estes ecossistemas nas soluções apresentadas neste momento.
Tendo presente as variações no preço dos créditos de carbono e as potenciais dificuldades que venham a surgir, por forma a impulsionar o desenvolvimento do mercado, poderá ser ponderada a criação e celebração de protocolos de garantia de margens de rentabilidade (ou sobrevivência), com organizações sem fins lucrativos e promotoras de projetos de compensação e sequestro de GEE.
O mercado poderá incluir projetos em florestas/espaço verdes urbanos públicos ou privados? E árvores isoladas? Ou até em espaços agrícolas?
Concluímos que o diploma tem uma enorme importância e urgência, facilitando a concretização dos compromissos Europeus e Internacionais assumidos por Portugal, assim como os objetivos consagrados no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e na Lei de Bases do Clima. Este mercado voluntário de carbono vai colmatar uma lacuna nos instrumentos de mitigação das alterações climática, garantindo uma transição justa e um desenvolvimento sustentável para uma sociedade neutra em carbono, promover o conhecimento dos cidadãos e das empresas sobre o peso ecológico/carbónico da sua atividade, incentivar o desenvolvimento de tecnologias e processos que reduzam as emissões das empresas, criar formas de remuneração dos serviços dos ecossistemas (capital natural), proteção da biodiversidade, redução de riscos de incêndio e destruição do solo e a criação de novos empregos e modelos de negócio.
Consideramos que a atual versão do diploma pode ser aprimorada e esperamos que seja possível ver algumas das nossas sugestões na versão final do presente diploma.
Se quiser partilhar a sua opinião connosco, envie-nos um e-mail para geral@verde-associacao.pt
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